O surgimento das confrarias não é um acontecimento concreto e bem balizado no espaço e tempo. Pequenos movimentos de cristãos espalhados por toda a Europa já forneciam às suas populações os mesmos serviços que caracterizam o conceito de confraria.
Já no século VII os bispos da Gália elaboraram leis, ou regras, de maneira a organizar e estruturar essas mesmas práticas das obras de caridade e piedade, com a criação das agremiações de confrades. Estas agremiações passaram a designar-se por confraternitates, que se traduz literalmente por confrarias ou irmandades, pois os associados se consideravam irmãos.
A vila de Benavente remonta ao tempo de D. Sancho I e foi o segundo concelho instituído a Sul do Tejo. Tem foral antigo, dado por D. Paio, ou Pelágio, mestre da Ordem Militar de Évora, em 25 de Março de 1200, confirmado em Santarém em 1218, e foral novo de D. Manuel I, dado em 16 de Maio de 1516.
A Confraria
A primeira confraria que se tem conhecimento ter existido na vila de Benavente, foi a Confraria do Espirito Santo que teve origem no séc. XIII.
A data da sua fundação, em 1232, é nos dita na tradução do Compromisso original em latim para português, elaborada em 1544. Existe, também uma relação de bens da Instituição em 1237 em que esta já possui bens doados.
Esta tradução foi feita pelo vigário da vara de Benavente Rui Lopes, no ano de 1544, por ordem do eclesiástico Mestre Gaspar. É descrito neste Compromisso os principais princípios orientadores da Confraria, que eram fundamentalmente:
- Dar aos pobres um bodo em cada ano, à custa dos confrades;
- Visitar os enfermos;
- Fazer-lhes o funeral, rezar missas e dar esmolas por alma dos que morreram;
- Castigar os confrades que, por palavras, pancadas ou ferimento, ofendessem outros confrades;
- Acudir ao confrade que, sem sua culpa, caísse em pobreza ou cativeiro, ou a quem ardessem todos os bens;
- Auxiliar a viúva do confrade ou do pobre a quem haja caído a casa, ou que não possa, por pobreza, tratar da sua vinha;
- Dar sepultura aos defuntos pobres, e outras acções de caridade e fraternidade humana.
O primeiro compromisso da Confraria dá-lhe um carácter de instituição de caridade, mas muito rapidamente alia a esta actividade também uma acção hospitalar, como se comprova nas verbas que, gradualmente, foram inscritas no pergaminho do compromisso, das quais se infere a existência de uma “albergaria”. Já no séc. XV, é identificada a existência de um “hospital”.
De seguida apresentamos a transcrição da parte inicial do Compromisso da Confraria de Benavente, da tradução para português feita em 1544:
“Em nome do Padre, do Filho, do Espírito Santo, Ámen; porque onde é a caridade e o amor, aí é deus, aprouve a nós folhas de Benavente (chamaram-se folhas porque fizeram da vila arvore, lembrando-lhe aquela autoridade de Job que diz: Senhor, contra folha mostras tua paciência)[1] e fazermos confraria em honra de Deus padre todo poderoso e do filho unigénito do Senhor e do Espirito procedido do padre todo poderoso e do filho e de Santa Maria e de todos os Santos, onde juntamente seja nascido, pasto aos pobres e às almas dos que largamente derem segundo aquele evangelho que diz: Ouve fome e destes-me de comer; Ouve sede e destes-me de beber. E Joane numa epístola sua também diz: Deus é caridade e aquele que está em caridade com Deus, Deus está nele. E o Senhor mais diz em o evangelho: Onde dois ou três forem juntos em meu nome, aí sou eu em meio deles; e em outro lugar. Escondei a esmola no seio do pobre e ela orará por vós. Pois que assim é, nós desejosos de viver segundo as obras de caridade, segundo o senhor galardoador de todos os bens, sobre todas as coisas amemos os próximos e apresentemos aos seus fieis as obras da misericórdia, as quaes hão-de dar galardão em o dia do Juízo. (...)“
A Misericórdia
As misericórdias, fundadas por iniciativa da rainha Dona Leonor [1458-1525], esposa do rei D. João II, sob o patrocínio de frei Miguel Contreiras, estabelecem uma nova forma de exercer a caridade e a piedade. Agora, o apoio aos enfermos ganha novo alento com a criação de “hospitais”. São as novas misericórdias, que para além de apoiar os pobres e desfavorecidos, e dignificar os falecidos, são o garante de um novo e revolucionário conceito de “saúde publica”, extensa a todos os níveis da sociedade.
Em 1499 a antiga albergaria da Confraria, surge-nos com o nome de “hospital do Espírito Santo”.
A velha confraria do Espirito Santo era, como dissemos, a entidade que mais pesava no governo do hospital, embora oficialmente fosse administrado pela câmara, pois que os indivíduos que concorriam às assembleias eram, na sua maior parte, confrades do Espirito Santo.
Entre 1552 e 1554 a primitiva confraria foi dissolvida e foi criada a nova Confraria e Irmandade da Santa Misericórdia com os mesmos membros e bens da primeira. No entanto, levou algum tempo até ser formalizada a criação da nova irmandade.
Foi a 21 de Dezembro de 1560 que se instituiu, oficialmente, a CONFRARIA E IRMANDADE DA MISERICÓRDIA DE BENAVENTE, tendo logo adaptado o Compromisso e Regimento da Misericórdia de Lisboa, aprovada por D. Manuel a 15 de Novembro de 1516, salvaguardando algumas alterações neste estatuto de modo a melhor adapta-lo a uma terra pequena como Benavente.
A 2 de Fevereiro de 1561, tomou posse a primeira Mesa Administrativa; composta pelo Provedor João Roiz de Bulhão, escrivão António Coresma; Mordomo de capela António Cabral; Mordomo de fora Gonçalo Lopez; Leonel Perdigão, Ruy Viegas, Alvaro Lucas, Amrique Lopez, Gaspar Fernandez, Cosme Lopez, Simão Lopez, João Alvares e André Lourenço.
A confraria da Misericórdia, logo que se organizou, preparou-se para assumir a direção do Hospital, que até aqui era hábito ser dirigida pela Câmara. Nesse sentido, os administradores do Hospital do Espirito Santo, que estavam filiados na nova irmandade fizeram pedido ao rei, que só teve resposta com o Alvará de D. Henrique de 17 de outubro de 1564. É assim anexado oficialmente o Hospital à nova Misericórdia a 12 de novembro de 1564.
A partir de 17 de Agosto de 1773, a confraria da Misericórdia passa a reger-se pelo compromisso da Irmandade do Santíssimo de Lisboa, com alteração de alguns artigos que estavam desajustados à realidade benaventense.
[1] As palavras entre parêntesis não estão no texto original em latim, foi acrescentado pelo tradutor (em 1544) como elucidação do texto.